MEDITAÇÃO MUITO IMPORTANTE OUVIR.
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Vol 1 - Livro do ceu
Peleja com o demônio
(90) Agora, quem pode dizer a mudança que aconteceu dentro de mim? Tudo foi horror para mim, aquele amor que eu sentia antes em mim, agora o via se transformar em um ódio atroz, que pena não poder amá-lo mais. Me rasgava a alma ao pensar naquele Senhor que tinha sido tão bom comigo, e agora ver me forçada a odiá-lo, a blasfemar como se ele fosse o mais cruel inimigo, não podendo vê-lo nem em suas imagens, porque ao olhá-los, ter rosários entre minhas mãos, ao beija-los, me vinha tal ímpeto de ódio, e tanta força em contra, que fazê-lo ou cortá-los em pedaços era a mesma coisa, e às vezes eu fazia tanta resistência, que minha natureza tremia da cabeça aos pés. Oh Deus, que pena amarga! Eu acredito que se no inferno, não se houvesse outras penas, a
mera pena de não poder amar a Deus tornaria o inferno mais horrível. Muitas vezes o diabo colocou diante de mim as graças que o Senhor me havia dado, agora como obra de minha fantasia e, por esse motivo, ser capaz de levar uma vida mais livre e confortável; e agora como verdadeiras, e eles me diziam: “Este e o bem que te queira? Esta é a recompensa, te deixou em nossas mãos, você é nossa, você é nossa, pois tudo acabou, não há mais que esperar". E por dentro me sentia colocando tanto ímpeto de aversão contra o Senhor e de desespero, que às vezes com alguma imagem nas mãos, era tão forte o desprezo que as quebrava, mas enquanto isso fazia, chorava e
as beijava, mas não sei como dizer como forçada a fazer. Quem pode dizer a dor da minha alma?
Os demônios faziam festa e riam, uns fizeram barulho de um lugar, outros o faziam de outro, alguns fizeram barulhos, outros me ensurdeciam com gritos dizendo: "Olha como você é nossa, não temos outra coisa mais que levá-la ao inferno, alma e corpo, verá que faremos isso ”. As vezes me sentia puxar, ora os vestidos, ora a cadeira onde estava ajoelhada e tanto as moviam e faziam barulho que eu não podia orar, às vezes o medo era tão grande que, acreditando estar livre, eu me deitava no cama (porque esses escândalos aconteceram a maior parte a noite), mas estavam lá também puxando o travesseiro, os cobertores. Mas quem pode dizer o terror, o medo que eu sentia? Eu mesmo não sabia onde estava, si na terra ou no inferno; havia tanto medo de que eles realmente tinham me levado, que meus olhos não podiam ser fechados para dormir; estava como alguém que tem um inimigo cruel que jurou que vai tirar- lhe a vida a qualquer custo, e acreditava que Isso aconteceria comigo assim que eu fechasse os olhos; então parecia que alguém estava colocando algo em mim dentro dos olhos, então era forçada a tê-los abertos para ver quando me levariam, talvez eu pudesse me opor ao que eles queriam fazer, então sentia meu cabelo arrepiar sobre minha cabeça, um por um, um suor frio por todo o meu corpo que me penetrava até o ossos e sentia separar meus nervos e ossos e eles se agitavam juntos de medo.
Outras vezes me sentia incitar a tais tentações de desespero e suicídio, que alguma vez tendo me encontrado perto de um poço, ou uma faca, senti-me puxando para me conduzir dentro ou pegar a faca e me matar, e era tanta a força que eu tinha que fazer para fugir, que sentia penas de morte e, enquanto fugia, sentia que eles estavam comigo e ouvia sugerir-me que era inútil para mim viver depois de ter cometido tantos pecados, que Deus tinha me abandonado por não ter sido fiel; além do mais, via que havia feito tantas infâmias, que não havia qualquer alma no mundo que tinha cometido, que para mim não havia como esperar piedade. Nas profundezas da minha alma, ouvi-
os repetir: “Como você pode viver sendo inimiga de Deus? Você saber quem é este Deus a quem você tanto insultou, blasfemou, odiou? Ah, é esse Deus imenso que estava ao seu redor e você diante de seus olhos se atreveu a ofendê-lo. Ah perdido o Deus da sua alma, quem lhe dará paz?
Quem te livrará de tantos inimigos?” Era tamanha a pena que não fazia nada além de chorar; às vezes eu começava a orar e os demônios para aumentar meu tormento, os sentia vindo encima de mim, e um me espancava, outro me picava e mais outro me apertava garganta. Lembro-me que uma vez, enquanto orava, me senti puxar meus pés de abaixo, a terra se abrir e as chamas saírem, e que eu caia dentro; tal foi o horror e a dor que eu fiquei meio morta, tanto que, para me recuperar daquele estado, Jesus teve que vir e eu Ele reanimou, me fez entender que não era verdade que eu tinha vontade de ofendê-lo, e que eu podia saber por mim mesma pela pena amarguíssima que sentia, que o diabo era um mentiroso e que ele não deveria fazer-lhe caso, que por enquanto eu deveria ter paciência e sofrer esses sofrimentos, e que depois a paz viria. Isso acontecia de tempos
em tempos, quando chegava a extremos, e às vezes para me colocar em tormentos mais difíceis.
No momento desse consolo, a alma se convencia, porque nessa luz é impossível que a alma não aprenda a verdade, mas depois quando eu estava na luta eu estava no mesmo estado de antes.
(91) Me tentava tambem a não receber a Comunhão, convencendo-me de que depois de eu ter cometido tantos pecados, era atrevimento me aproximar, e que se eu me atrevesse, não Jesus Cristo teria vindo, se não o demônio, e tantos tormentos ele me daria, que me daria a morte, mas a obediência a vencia (a tentação), é verdade que às vezes sofria penas mortais, assim que eu podia trabalhosamente recuperar me após a Comunhão, mas como o confessor queria absolutamente que eu a recebesse, não poderia fazer de outro modo. Eu lembro que várias vezes não a recebi.
(92) Também me lembro que às vezes, enquanto orava à noite, eles apagavam minha lâmpada;
às vezes faziam tais rugidos de dar medo; outras vezes vozes débeis, como se fossem moribundos, mas quem poderia dizer tudo o que eles faziam?
(93) Agora, essa dura batalha, embora não me lembre muito bem, durou três anos, embora dias ou semanas separados, não que parassem por completo, mas começassem a diminuir.
(94) Lembro-me de que, depois de uma Comunhão, o Senhor me ensinou como eu deveria fazer para os pôr em fuga, que era desprezá-los e não lhes prestar nenhuma atenção, e que eu deveria fingir que eram tantas formigas. Senti-me infundir tanta força que não sentia mais o medo de antes, e fazia assim: Quando faziam um barulho, rumores, eu dizia lhes: "se ve que não têm nada que fazer, e que para passar o tempo estão fazendo tantas tonteiras; façam, façam, que depois quando se cansarem, terminarão". Às vezes paravam, outras vezes ficavam tão zangados que faziam ruídos mais altos. Eu os sentia ao meu lado, fazendo-se mais fortes e faziam violência para me levar, cheirava a horrível peste, sentia o calor do fogo. É verdade que no meu íntimo sentia um estremecimento, mas me forçava e lhes dizia: "Mentirosos que sois, se isto fosse verdade desde o primeiro dia o havíeis feito, mas como é falso e que não tendes nenhum poder sobre mim, senão só aquele que vos vem dado do alto, por isso digam, digam, e depois quando vos cansardes, estourareis forçava e lhes dizia: Se emitiam lamentos e gritos, dizia-lhes: "O que, não saíram bem as coisas hoje?" Ou seja, "lamentais-vos porque vos foi tirada alguma alma?
Pobrezinhos, não se sentem bem, porém quero também eu fazê-los lamentar outro pouco". E começava a rezar pelos pecadores, ou a fazer reparações. Às vezes ria-me quando começavam a fazer as habituais coisas e lhes dizia: "Como posso temê-los, raça vil? Se fossem seres sérios não teriam feito tantas tolices, vocês mesmos, não se envergonham? não façam o que os tornam ridículos". Depois, se me punham tentações de blasfemar ou de ódio contra Deus, oferecia aquela pena amarguíssima, aquela violência que me faziam, porque enquanto via que o Senhor merecia todo o amor, todos os louvores, eu era forçada a fazer o contrário, em reparação de tantos que
livremente o blasfemam e que nem sequer se lembram que existe um Deus, que estão obrigados a amá-lo. Se me incitavam ao desespero, em meu interior dizia: "Não presto atenção nem do paraíso nem do inferno, a única coisa que me apressa é amar a meu Deus, este não é tempo de pensar em outra coisa, senão que é tempo de amar quanto mais possa a meu bom Deus, o paraíso e o inferno os deixo em suas mãos ,e Ele, que é tão bom me dará o que mais me convém, e me dará um lugar onde possa glorificá-lo mais".
95) Jesus Cristo me ensinou que o meio mais eficaz para fazer com que a alma fique livre de toda vã apreensão, de toda dúvida, de todo temor, era declarar diante do Céu, da terra e diante dos próprios demônios, não querer ofender a Deus, mesmo à custa da própria vida, não querer consentir a qualquer tentação do demônio, e isto enquanto a alma adverte que vem a tentação, se puder no momento da batalha, e apenas se começa a sentir livre, e também durante o curso do dia. Fazendo assim, a alma não perderá tempo em pensar se consentiu ou não, porque só recordar a promessa lhe restituirá a calma, e se o demônio busca inquietá-la, poderá responder-lhe que se tivesse tido intenção de ofender a Deus, não teria declarado o contrário, e assim ficará livre de todo temor.
(96) Agora, quem pode dizer a raiva do demônio, pois agindo assim todas as suas astúcias resultavam para sua confusão, e onde acreditava ganhar perdia, já que de suas mesmas tentações e artifícios a alma se servia para poder fazer atos de reparação e amor ao seu Deus?
(97) O outro modo que me ensinou para afastar as tentações foi o seguinte: Se me tentavam a suicídio eu devia responder: "Não tendes nenhuma permissão de Deus, é mais, para vosso despeito quero viver para poder amar mais a meu Deus". Se eu fosse espancada, eu deveria me humilhar, ajoelhar e agradecer ao meu Deus porque isso acontecia como penitência pelos meus pecados, e não só isso, mas oferecer tudo como atos de reparação por todas as ofensas feitas a Deus no mundo.
(98) Finalmente, uma tentação feia que durou pouco, Por cerca de um ano e meio com os demônios tão feios, eu devia ficar grávida e depois parir um pequeno demônio com chifres. Minha fantasia crescia tanto, que eu me via diante de uma confusão horrível, pelo que se teria dito de mim por tão espantoso acontecimento.
(99) Depois de cerca de ano e meio desta luta, finalmente terminaram as crueldades dos demônios e começou uma vida toda nova, mas os demônios não deixaram de me incomodar de vez em quando, mas não eram tão freqüentes, não tão feroz a batalha, e eu me acostumei a desprezá-los.
Abril 12, 1899
Jesus disse a Luísa: Tu és o meu tabernáculo, aliás, sinto-me mais feliz em ti, porque te compartilho as minhas dores.
(1) Hoje, sem me fazer esperar tanto, Jesus veio logo e me disse:
(2) "Tu és o meu tabernáculo; para mim é o mesmo estar no sacramento que em teu coração, aliás, em ti se encontra outra coisa de mais, que é o poder participar minhas penas e te ter junto Comigo como vítima vivente ante a divina justiça, o que não encontro no Sacramento".
(3) E enquanto dizia estas palavras se fechou dentro de mim. Estando em mim, Jesus fazia-me sentir agora as picadas dos espinhos, agora as dores da cruz, os esforços e os sofrimentos do coração. Em torno de seu coração via um trançado de pontas de ferro que fazia sofrer muito a Jesus. Ah! Quanta dor me dava vê-lo sofrer tanto, teria querido sofrer tudo eu antes de fazer sofrer a meu doce Jesus, e de coração lhe pedia que a mim me desse as penas, a mim o sofrer. Então Jesus me disse:
(4) "Filha, as ofensas que mais trespassam meu coração são as Missas ditas sacrílegamente, e as hipocrisias".
(5) Quem pode dizer o que compreendi nestas duas palavras? Parece-me que externamente se faz ver que se ama, se louva ao Senhor, mas internamente se tem o veneno pronto para matá-lo; externamente se faz ver que se quer a glória, a honra de Deus, mas internamente se busca a honra, a estima própria. Todas as obras feitas com hipocrisia, mesmo as mais santas, são obras todas envenenadas que amarguram o coração de Jesus.
3-12
Novembro 24, 1899
Luisa quer receber as amarguras de Jesus.
(1) Esta manhã o meu doce Jesus veio e me transportou para fora de mim mesma. Agora, como tenho visto tudo cheio de amargura, pedi-lhe e voltei a pedir-lhe que a derramasse em mim, mas, porque lhe roguei, não consegui obter que vertesse em mim suas amarguras, e conforme me aproximava de sua boca para recebê-las saía um hálito amargo. Enquanto fazia isto via um sacerdote que morria, mas não sabia bem quem era, e como tinha a intenção de rezar por um sacerdote doente, não o reconhecendo me confundi se era ele ou algum outro. Então eu disse a Jesus: "Senhor, o que fazes? Não vês quanta falta de sacerdotes há em Corato, e queres tirar-nos outros?" Jesus não me dando atenção e ameaçando com a mão dizia:
(2) "Eu os destruirei demais".
4-12
Setembro 22, 1900
Por quantas vezes se dispõe a fazer o sacrifício da morte, outras tantas vezes Jesus lhe dá o mérito como se realmente morresse.
(1) Encontrando-me toda oprimida e aflita, ao vir o meu adorável Jesus disse-me: "Minha filha, por que te submergiste toda na tua aflição?"
(2) E eu: "Oh, meu amado, como não devo estar aflita se ainda não me queres levar contigo e me deixa mais tempo sobre esta terra?"
(3) E Ele: "Ah não, não quero que você respire este ar triste, porque tudo o que coloquei dentro e fora de você, tudo é santo, tão é verdade, que se se aproxima de você alguma coisa ou pessoa que não é reta e santa, você sente incômodo, advertindo imediatamente a peste do que não é santo. Agora, por que queres ensombrar com este ar de tristeza o que pus dentro de ti? No entanto deves saber que cada vez que te dispõe a fazer o sacrifício da morte, outras tantas vezes te dou o mérito, como se realmente morresses, e isto deve ser de grande consolação para ti, muito mais porque te conformas principalmente a Mim, porque minha Vida foi um contínuo morrer".
(4) E eu: "Ah Senhor, não me parece que a morte seja um sacrifício, mas sim, sacrifício me parece a vida". E querendo dizer mais desapareceu.
5-12
Junho 6, 1903
Jesus ensina-lhe como se comportar no estado de abandono e de sofrimento.
(1) Depois de ter passado dias amargos de privações e sofrimentos, esta manhã encontrei-me fora de mim mesma com o menino Jesus nos braços, e eu mal o vi disse: "Ah querido Jesus, como me deixaste sozinha, pelo menos ensina-me como devo comportar-me neste estado de abandono e de sofrimento!".
(2) E Ele: "Minha filha, tudo o que tu sofres nos braços, nas pernas e no coração, oferece-o juntamente com os sofrimentos dos meus membros recitando cinco glória ao Pai, e oferece-o à divina justiça pela satisfação das obras, dos passos, e dos maus desejos dos corações, que continuamente são cometidos pelas criaturas; une ainda os sofrimentos dos espinhos e dos ombros recitando três glória ao Pai e ofereça-os para satisfação das três potências do homem, tão deformadas, de não reconhecer mais minha imagem neles, e tenta manter tua vontade sempre unida a Mim, e em contínua atitude de me amar; tua memória seja o sino que continuamente ressoa em ti e te recordes o que fiz e sofri por ti, e quantas graças fiz à tua alma, para me agradecer, porque a gratidão é a chave que abre os tesouros divinos; a tua inteligência não pense, não se preocupe com outra coisa senão em Deus. Se você fizer isto eu encontrarei em você minha imagem e nela tomarei a satisfação que não posso receber das outras criaturas; isto você o fará continuamente, porque se contínua é a ofensa, contínua deve ser a satisfação".
(3) Então eu continuei: "Ah! Senhor, como me fiz má, até gulosa me tenho feito.
(4) E Ele: "Minha filha, não temas, quando uma alma faz tudo por Mim, tudo o que toma, até os mesmos consolos, Eu o recebo como se restaurasse meu corpo sofredor, e aqueles que lhe são dados os considero como se os dessem a Mim mesmo, tanto que se não os dessem Eu sentiria pena por isso; mas para tirar toda dúvida, cada vez que te derem algum alívio e sentir a necessidade de tomá-lo, não só o farás por Mim, senão que acrescentarás: "Senhor, tento reconfortar teu corpo sofredor no meu".
(5) Enquanto dizia isto, pouco a pouco retirou-se dentro de mim, e eu não o via mais e não podia falar mais. Sentia tanta pena, que pela dor me teria feito em pedaços para poder encontrá-lo de novo, então me pus a rasgar na parte do interior porque se tinha fechado, e assim o encontrei e com suma dor disse: "Ah! Senhor, você me deixa? Não és talvez Tu a minha vida, e sem Ti não só a alma, mas também o corpo se destroça tudo e não resiste à força da dor da tua privação? Tanto, que então, neste caso me parece que deva morrer, meu único consolo é a morte". Mas enquanto isso dizia Jesus me abençoou, e de novo se retirou em meu interior e desapareceu, e eu me encontrei em mim mesma.
6-13
Dezembro 22, 1903
A cruz forma a encarnação de Jesus no seio das almas, e a encarnação da alma em Deus.
(1) Encontrando-me em meu habitual estado, veio meu adorável Jesus crucificado, e tendo-me participado suas penas, enquanto eu sofria me disse:
(2) "Minha filha, na Criação Eu dei à alma minha imagem, na Encarnação dei minha Divindade, divinizando a humanidade. E no mesmo ato em que se encarnou a Divindade na humanidade, naquele mesmo instante se encarnou na cruz, assim que desde que fui concebido me concebi unido com a cruz, e se pode dizer que assim como a cruz foi unida Comigo na encarnação no seio de minha Mãe, assim a cruz forma outras tantas encarnações minhas no seio das almas; e assim como forma minha encarnação nas almas, assim a cruz é a encarnação da alma em Deus, destruindo lhe tudo o que é de natureza humana, e enchendo-a tanto da Divindade, de formar uma
espécie de encarnação: Deus na alma e a alma em Deus".
(3) Eu fiquei como extasiada ao ouvir que a cruz é a encarnação da alma em Deus, e Ele repetiu:
(4) "Não digo união, mas encarnação, porque a cruz se intromete tanto na natureza, de chegar a transformar a mesma natureza em dor, e onde está a dor aí está Deus, sem poder estar separados Deus e a dor; e a cruz formando esta espécie de encarnação volta a união mais estável, e muito difícil a separação de Deus com a alma, assim como é difícil separar a dor da natureza. Enquanto que com a união, facilmente pode ocorrer a separação. Entende-se que não são encarnações, mas semelhanças de encarnações".
(5) Dito isto desapareceu, mas pouco depois voltou no momento de sua Paixão quando foi coberto de opróbrios, de ignomínias, de cuspidos, e eu lhe disse: "Senhor, ensina-me que coisa posso fazer para afastar de Ti estes opróbrios e restituir-te as honras, os louvores e as adorações".
(6) E Ele disse: "Minha filha, em torno de meu trono há um vazio, e este vazio deve ser preenchido pela glória que me deve a Criação; por isso, quem me vê desprezado pelas outras criaturas e me honra, não só por si, mas pelos demais me faz renascer as honras neste vazio; quando não me vê amado e me ama, me faz renascer o amor; quando vê que cumulo as criaturas de benefícios e não me reconhecem e nem sequer me agradecem, e ela me agradece como se lhe tivessem sido feitos os benefícios, faz-me renascer neste vazio a flor da gratidão e do agradecimento, e assim de todo o resto que me deve a Criação, e que com negra ingratidão me nega. Agora, sendo tudo isto uma superabundância da caridade da alma, que não só me devolve o que me deve por si, senão que o que transborda de si me faz pelas outras, sendo esta glória fruto da caridade, estas flores que me manda neste vazio em torno de meu trono, recebem uma cor mais bonita e a Mim muito agradável".
7-11
Abril 25, 1906
Sofre juntamente com Jesus. Ele dá-lhe todos os seus sofrimentos e todo o Si mesmo em dom
.(1) Encontrando-me em meu estado habitual, parecia-me ver meu bendito Jesus todo aflito dentro de mim, no momento de sofrer a crucificação, e parecia que eu sofria um pouco junto com Ele, e depois me disse:
(2) "Minha filha, tudo é teu: Os meus sofrimentos, e todo eu mesmo, te faço dom de tudo".
(3) Depois acrescentou: "Minha filha, quanto me fazem as criaturas, que têm sede de pecados, que sede de sangue! ; não gostaria de fazer outra coisa senão abrir as entranhas da terra e incendiá-los a todos".
(4) E eu: "Senhor, que dizes? Disseste-me que és todo meu, e um que se dá a outro já não é dono de si mesmo; eu não quero que faças isto, e Tu não deves fazê-lo. Se queres satisfação de mim, faz-me sofrer o que quiseres, estou disposta a tudo".
(5) Então senti-o dentro de mim como se o tivesse atado, e Ele repetia-me várias vezes:
(6) "Deixa-me fazer porque não posso mais, deixa-me fazer porque não posso mais!"
(7) E eu repetia: "Não quero Senhor, não quero" Mas enquanto dizia isso, sentia que meu coração se partia de ternura ao ver sua bondade tão condescendente para com uma alma pecadora como eu sou. Compreendia tantas coisas da bondade divina, mas não sei dizê-las bem.
8-12
Outubro 3, 1907
Como o próprio eu torna-se escravo de Deus.
(1) Encontrando-me em meu habitual estado, o bendito Jesus não vinha, e eu estava dilacerada pela dor de sua privação, e não só por isto, senão pelo pensamento de que meu estado de vítima não fosse mais Vontade de Deus; me parece haver me tornado nauseante ante a presença de Deus, digna apenas de ser odiada. Agora, enquanto isso pensava, assim que Jesus veio me disse:
(2) "Minha filha, quem escolhe o próprio eu, mesmo por um momento, reprime a Graça, se faz dono de si mesmo e torna-se escravo de Deus".
(3) Depois acrescentou: "A Vontade de Deus faz tomar a posse Divina, mas a obediência é a chave para abrir a porta e entrar nesta posse".
(4) Dito isso, ele se foi.
8-13
Outubro 4, 1907
A cruz enxerta a Divindade na humanidade.
(1) Continuando meu habitual estado de privações, e portanto com poucos sofrimentos, estava dizendo para mim: "Não só de Jesus estou privada, mas também o bem dos sofrimentos me é tirado. Ó Deus! Por toda parte queres usar ferro e fogo e tocar-me nas coisas mais amadas por mim, e que formavam a minha própria vida: Jesus e a cruz. Se sou abominável a Jesus por causa das minhas ingratidões, tem razão em não vir, mas tu, ó cruz, a ti, o que te fiz que tão barbaramente me deixaste? Ah! Talvez eu não tenha feito uma boa cara quando você veio? Eu me lembro que eu te amava tanto que eu não sabia estar sem você, e às vezes eu te preferia ainda sobre o mesmo Jesus; eu não sabia o que me fizestes que não sabia estar sem Vós, mas deixastes-Me? É verdade que muitos bens me fez, você era o caminho, a porta, a permanência, o segredo, a luz na qual encontrava Jesus, por isso te amava tanto, e agora tudo terminou para mim". Enquanto isto pensava, assim que chegou o bendito Jesus me disse:
(2) "Filha, a cruz é parte da vida, e somente não a ama quem não ama a própria vida, porque só com a cruz inseri a Divindade à humanidade perdida; só a cruz é a que continua a Redenção no mundo, enxertando quem a recebe na Divindade; e Quem não a ama significa que não sabe nada de virtudes, nem de perfeição, nem de amor de Deus, nem de verdadeira vida; acontece como a um rico que tendo perdido as riquezas se lhe apresenta um meio para adquiri-las de novo, e talvez de mais; quanto não amaria este meio? E não poria a própria vida neste meio para encontrar de novo a vida nas riquezas? Assim é a cruz, o homem tinha-se tornado paupérrimo , e a cruz é o
meio não só para o salvar da miséria, mas para o enriquecer com todos os bens; por isso a cruz é a riqueza da alma".
(3) E desapareceu, e eu fiquei mais amarga pensando na perda que tinha sofrido.
9-11
Julho 27, 1909
A alma é o brinquedo de Jesus na terra.
(1) Encontrando-me no meu estado habitual pensava entre mim: "O que farei? Não sirvo para nada; Ele não vem e eu fico como um objeto inútil, porque sem Ele não valho nada, não sofro nada, então para que ter-me sobre esta terra? E Ele, enquanto se fez ver, como um relâmpago me disse:
(2) "Minha filha, tenho-te como brinquedo, mas os brinquedos nem sempre se têm nas mãos, muitas vezes, mesmo por meses e meses não se tocam, mas apesar disso, quando o dono de aquele brinquedo o quer, este não deixa de formar sua diversão. Quer você acaso que nem sequer um brinquedo tenha Eu sobre a terra? Faça com que me entretenha com você a meu gosto sobre a terra, e Eu em correspondência te farei entreter Comigo no Céu".
10-15
Janeiro 28, 1911
O amor força Deus a quebrar os véus da fé. A Igreja está agonizante, mas não morrerá.
(1) Encontrando-me no meu habitual estado, fazia-se ver o coração do meu doce Jesus, e olhando para dentro de Jesus via n‟Ele o seu coração, e olhando para mim, via também em mim o seu Santíssimo Coração. Oh! quanta suavidade, quantas delícias, quantas harmonias se sentiam naquele coração! Então, enquanto me deleitava junto com Jesus, ouvia sua voz suave que lhe saía de dentro de seu coração que me dizia:
(2) "Filha, abre-te do meu coração, o amor quer seus desabafos, de outra maneira não se poderia seguir adiante, especialmente para quem me ama verdadeiramente e não admite em si outro prazer, outro gosto, outra vida que o amor. Eu me sinto tão atraído por eles, que o amor mesmo me força a romper os véus da fé, e revelo-me e faço-lhe saborear também daqui o paraíso em intervalos; o amor não me dá tempo a esperar a morte para quem me ama de verdade, senão que o prevejo ainda desde esta vida. Goza, sente as minhas delícias, olha quantos felizes há no meu coração, toma parte em tudo, descarrega-te no meu amor a fim de que o teu se amplie de mais e possa amar-me mais".
(3) Enquanto dizia, via alguns sacerdotes, e Jesus continuou a dizer-me:
(4) "Minha filha, a Igreja nestes tempos está agonizante, mas não morrerá, antes ressurgirá mais bela. Os sacerdotes bons lutam para levar uma vida mais desapegada, mais sacrificada, mais pura; os maus sacerdotes lutam por uma vida mais interessada, mais cômoda, mais sensual, toda terrena. Eu falo aos primeiros, mas não aos segundos, falo aos primeiros, ou seja aos poucos bons, ainda que seja um só por cidade ou país, a estes falo e mando, rogo, rogo que façam estas casas de reunião, salvando-me aos sacerdotes que virão a estes asilos, tornando-os totalmente livres de qualquer vínculo de família, e por estes poucos bons se recuperará minha Igreja de sua agonia, estes são meu apoio, minhas colunas, a continuação da vida da Igreja. Eu não falo aos segundos, a todos aqueles que não querem dissociar-se dos vínculos da família, porque se falo certamente não sou escutado. Na verdade, só de pensar em quebrar qualquer vínculo, ficam indignados, ah! Infelizmente, estão habituados a beber a taxa de juros e outras, que enquanto é doçura à carne, é veneno para a alma, estes tais acabarão por beber o esgoto do mundo. Eu quero salvá-los a qualquer custo, mas não sou escutado, por isso falo, mas para eles é como se não falasse".
11-13
Março 20,1912
O todo está em dar tudo a Jesus e fazer em tudo e sempre o seu Querer.
(1) Encontrando-me no meu estado habitual, meu sempre amável Jesus fazia-se ver todo sofredor e me disse:
(2) "Minha filha, não querem entender, que o todo está em dar tudo a Mim e fazer em tudo e sempre o meu Querer; quando Eu obtiver isto, Eu mesmo vou empurrando as almas dizendo a cada uma:
"Minha filha, toma este gosto, este conforto, este consolo, este descanso", com esta diferença, que antes de dar-se toda a Mim e de fazer em tudo e sempre minha Vontade, se os tomava eram humanos, em troca depois são divinos, e Eu, sendo coisas minhas, já não me dão ciúmes e digo entre Mim: "Se toma o lícito prazer toma-o porquê o quero Eu, se trata com pessoas, se licitamente conversa, é porque o quero Eu, e se Eu não o quisesse ela está disposta e pronta a deixar tudo", e por isso Eu ponho as coisas a sua disposição, porque tudo o que faz é todo o efeito do meu Querer, não mais do seu. Diz-me! Minha filha, o que te faltou desde que me deste tudo? Dei-te os meus gostos, os meus prazeres e todo o Eu mesmo para tua satisfação, isto na ordem sobrenatural, e na ordem natural também não te fiz faltar nada, confessores, comunhões, e todo o resto, aliás, tu querendo só a Mim não querias aos confessores tão frequentemente, Mas eu, desejando que abundasse de tudo quem de tudo se queria privar por Mim, não te prestei atenção. Filha, que dor sinto em meu coração ao ver que as almas não o
querem compreender, nem mesmo as almas que se dizem as melhores!".
MEDITAÇÃO
11. Maria confidencia o seu voto ao Sumo Sacerdote.
3 de setembro de 1944.
Que noite de inferno! Parecia mesmo que os demônios estivessem soltos sobre a terra. Canhonaços, trovões, relâmpagos, perigo, medo, sofrimento por estar em uma cama não minha e, em meio a tudo isso, como uma flor toda branca e suave, colocada entre labaredas e espinheiros, a presença de Maria, que está um pouco mais adulta do que na visão de ontem, mas sempre jovem, com as suas tranças loiras sobre os ombros, com o seu vestido branco, com seu sorriso doce e cheio de recolhimento, um sorriso interior, voltado para o mistério glorioso, que ela acolheu em seu coração. Passo a noite comparando o seu suave aspecto com a ferocidade que há no mundo, e relembrando suas palavras de ontem cedo, um canto de viva caridade, com o ódio dos que se dilaceram.
Agora de manhã, tendo voltado ao silêncio do meu quarto, assisto a esta cena.
Maria está sempre no Templo. Agora, ela está saindo com outras virgens do Templo verdadeiro e propriamente dito.
Lá dentro deve ter havido alguma cerimônia, pois o cheiro do incenso se espalha pelo ar, que está todo avermelhado por causa de um belo pôr-do-sol, que eu diria de um outono adiantado, com um céu docemente cansado, como um outubro sereno, inclinando-se sobre os jardins de Jerusalém, nos quais o amarelo-ocre das folhas, estando para cair, vão derramando manchas loiro-avermelhadas no verde-prateado das oliveiras.
A fileira, ou melhor, o cândido enxame das virgens, atravessa o pátio dos fundos, sobe por uma escadaria, passa por uma série de pórticos, entra em um outro pátio mais simples, quadrado, tendo uma única entrada. Deve ser este o lugar que serve para acomodar os pequenos quartos das virgens destinadas ao Templo, pois cada menina se dirige para a sua cela, como uma pombinha para o seu ninho, e até parece um bando de pombas que se separam, depois de estarem unidas respondendo a um apelo. Muitas, eu diria todas, falam entre si em voz baixa e alegre, antes de se separarem. Maria está calada. Somente antes de se separar das outras, ela as saúda afetuosamente, depois se dirige para o seu pequeno quarto, que fica num canto à direita.
Lá, ela se encontra com uma mestra também anciã, embora não tanto quanto Ana de Fanuel.
– Maria, o Sumo Sacerdote te espera.
Maria olha para ela, ligeiramente surpresa, mas não lhe pergunta nada. Responde só isto:
– Irei imediatamente.
Não sei se a ampla sala em que ela entra faz parte da casa do Sacerdote, ou se faz parte dos aposentos das mulheres que trabalham no Templo. Só sei que é uma sala vasta e muito clara, bem arrumada, onde, além do Sumo Sacerdote, majestoso em suas vestes, estão também Zacarias e Ana de Fanuel.
Maria faz uma grande reverência na entrada, não continuando a entrar até que o Sumo Sacerdote lhe diga:
– Adiante, Maria. Não temas. – Maria ergue, então, de novo o corpo, e vai para a frente devagar, não porque queira, mas por um movimento involuntário que lhe dá um ar solene, fazendo-a parecer, de fato, uma mulher.
Ana sorri para ela, para dar-lhe coragem, e Zacarias a saúda, dizendo:
– A paz esteja contigo, prima.
O Pontífice a observa atentamente, e depois diz a Zacarias:
– Nela se vê logo a estirpe de Davi e de Arão.
– Minha filha, eu conheço a tua graça e bondade. Sei que cada dia vieste crescendo na ciência e na graça, aos olhos de Deus e dos homens. Sei que a voz de Deus murmura ao teu coração as mais doces palavras. Sei que tu és a Flor do Templo de Deus e que um terceiro querubim está diante do Testemunho, desde quando tu lá estás. Eu gostaria que o teu perfume continuasse a subir com o incenso em cada novo dia. Mas as palavras que a Lei diz são outras.
Tu não és mais uma menina, mas uma mulher. E toda mulher deve ser esposa em Israel, para levar ao Senhor o seu filho varão.
Tu cumprirás a ordem da Lei. Não tenhas medo, não fiques envergonhada. Estou bem lembrado da tua realeza. A própria Lei já tutela essa condição, quando ordena que a cada homem seja dada a mulher da sua estirpe. Ainda que assim não fosse, assim eu o faria, para não corromper o teu nobilíssimo sangue. Não conheces, Maria, alguém da tua estirpe, que possa ser o teu esposo?
Maria ergue o rosto, todo ruborizado de pudor, e sobre o qual, dos cílios das pálpebras vem brotando um primeiro sinal de pranto, e com voz trémula, responde:
– Ninguém.
– Mas ela não pode conhecer alguém, porque entrou aqui em sua infância, e a estirpe de Davi tem sido perseguida e dispersa de tal modo, que não foi possível que os diversos ramos se reunissem como em uma fronde, formando a copa da palmeira real – diz Zacarias.
– Então, vamos deixar para Deus a escolha.
As lágrimas, até aí contidas jorram agora, e descem até à boca trémula, e Maria lança um olhar suplicante à sua mestra.
– Maria fez um voto ao Senhor pela sua glória e pela salvação de Israel. Naquele tempo ela não passava de uma menina, estava aprendendo a soletrar, e já se tinha obrigado por um voto…- diz Ana em sua ajuda.
– O teu pranto, então, é por isso? Não é por resistência à Lei?
– É por isso… e não por outra causa. Eu obedeço a ti, Sacerdote de Deus.
– Isto vem confirmar tudo o que sempre me foi dito de ti. Há quantos anos que fizeste essa promessa de virgindade?*
– Desde sempre, penso. Ainda não estava neste Templo, e já me havia entregue ao Senhor.
– Não és tu aquela pequenina que, faz agora doze invernos, vieste pedir-me para entrar?
– Sou eu.
– E como podes dizer que naquele tempo já eras de Deus?
– Se olho para trás, vejo-me consagrada já ao Senhor. Não posso lembrar-me da hora em que nasci, nem de como foi que comecei a amar a minha mãe e a dizer a meu pai: “Meu pai, eu sou tua filha”… Mas eu me lembro, ainda que não saiba quando começou, de ter dado a Deus meu coração.
Talvez tenha sido com o primeiro beijo que eu soube dar, com a primeira palavra que eu consegui pronunciar, com o primeiro passo que eu fui capaz de dar… Sim, isso mesmo. Creio que a primeira recordação de amor, vou encontrá-la no primeiro passo firme que eu consegui dar… Minha casa… tinha um jardim cheio de flores… tinha um pomar e muitos campos… e lá havia uma nascente, bem lá no fundo, ao sopé de um monte, e a nascente jorrava de uma rocha escavada, que formava uma gruta… era cheia de ervas de talos longos e finos, que ficavam penduradas como pequenas cascatas verdes, que vinham de diversas direções e parecia que estivesse chovendo, porque as folhinhas leves das pequenas copas semelhantes a um bordado, tinham uma gotinha de água em cada uma que, ao pingar, fazia o som de uma campainha, bem pequenina. E a nascente também cantava.
Lá havia passarinhos nos ramos das oliveiras e das macieiras, que estavam na encosta acima da nascente, pombas brancas, que vinham lavar-se no espelho límpido da água da fonte… Eu não me lembrava mais de tudo aquilo, porque eu tinha colocado todo o meu coração em Deus e, com exceção do pai e da mãe, amados por mim na vida e na morte, quaisquer outras coisas da terra tinham desaparecido do meu coração… Mas tu me estás fazendo pensar, Sacerdote… Devo descobrir quando foi que me dei a Deus… e por isso as coisas dos primeiros anos estão voltando à minha mente… Eu amava aquela gruta, porque, mais doce do que o canto da água e dos passarinhos, lá eu ouvia uma Voz que me dizia: “Vem, minha querida!”.
Eu amava aquelas ervas ornadas com gotas sonoras e parecidas com lindos diamantes, porque nelas eu via o sinal do meu Senhor, e me tornava alheia a tudo mais, ao dizer a mim mesma: “Vê como é grande o teu Deus, ó minha alma! Aquele que fez os cedros do Líbano, lá no Norte, fez também aqui estas folhinhas que se inclinam sob o peso de um mosquitinho, para alegria dos teus olhos e como anteparo para os teus pequenos pés”. Eu amava aquele silêncio das coisas puras: o vento leve, a água prateada, o asseio das pombas… eu amava aquela paz que velava sobre a pequena gruta, descendo das macieiras e das oliveiras, agora todas em flor, e depois todas carregadas de frutos… E não sei… parecia que a Voz me dissesse: “Vem, tu, minha oliva linda; vem, tu, doce maçã; vem, tu, fonte selada; vem, tu, ó minha pomba”… Doce, o
amor do pai e da mãe… doce era a voz deles que me chamava… mas esta voz, esta voz!
Oh! No Paraíso terrestre, penso que foi assim que a ouviu aquela que foi a culpada, e eu nem sei como foi que ela pôde preferir um sibilo a esta Voz de amor, como pôde apetecer um outro conhecimento, que não fosse o de Deus… Com os lábios, que ainda estavam com o cheiro do leite materno, mas com o coração tornado ébrio pelo mel celeste, eu disse, então: “Eis-me aqui, eu vou. Sou tua. E nenhum outro senhor terá a minha carne, senão Tu, Senhor, como outro amor não tem o meu espírito”… Parecia-me estar repetindo coisas já ditas e estar cumprindo um rito há tempo realizado, nem era estranho para mim o Esposo escolhido, porque Dele conhecia já o ardor e minha vista estava já afeita à sua luz, e minha capacidade
de amar se havia completado entre os seus braços. Quando foi? Não sei. Do lado de lá da vida, eu diria, porque sinto que sempre o tive, e que Ele sempre me teve, e que eu existo porque Ele me quis para alegria do seu Espírito e do meu… Agora, eu obedeço, Sacerdote.
Mas diz-me tu, como é que deverei agir. Não tenho pai nem mãe. Sé tu o meu guia.
– Deus te dará o esposo, e santo ele há de ser, pois te entregas a Deus. Tu contarás ao teu esposo qual é o teu voto.
– E ele aceitará?
– Assim espero. Reza, ó filha, para que ele possa compreender teu coração. Vai agora. Deus te acompanhe sempre.
Maria se retira com Ana. Zacarias fica com o Pontífice.
Cessa assim a visão.
ESSA MEDITAÇÃO VAI MUDAR SUA VIDA
CAPITULO 9
PROSSEGUE O RESTO DA EXPLICAÇÃO DO CAPÍTULO XII DO APOCALIPSE.
São Miguel
106. E travou-se no céu (v.7) uma grande batalha: Miguel e seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com seus anjos pelejavam contra ele.
Havendo manifestado o Senhor o que fica dito aos bons e aos maus anjos, o santo príncipe Miguel e seus companheiros, com a divina permissão, pelejaram com o dragão e seus sequazes, Batalha admirável, combate de entendimentos e vontades.
Com o zelo que ardia em seu coração pela honra do Altíssimo, e armado com o poder divino e sua própria humildade, São Miguel resistiu à desvanecida soberba do dragão, dizendo:
- Digno é o Altíssimo de honra, louvor e reverência; de ser amado, temido e obedecido por toda a criatura; é poderoso para fazer tudo quanto quer, nada podendo querer que não seja muito justo.
Incriado e sem dependência de outro ser, deu-nos gratuitamente quanto temos, criou-nos e formou-nos do nada e do mesmo modo pode criar outros seres, quando e como for de seu beneplácito.
É razoável que prostrados e submissos em sua presença, adoremos Sua Majestade e real grandeza. Vinde, pois, anjos, segui-me e adoremo-lo, louvando seus admiráveis e ocultos juízos, suas perfeitíssimas e santíssimas obras.
É Deus Altíssimo, superior a toda criatura, e não o fora se pudéssemos compreender suas grandes obras. Infinito em sabedoria e bondade; rico em tesouros e benefícios; Senhor de tudo, de ninguém necessitando, pode comunicá-los a quem mais servido for, não podendo errar em sua escolha. Pode amar a quem quiser, dar-se, elevar, criar e enriquecer a quem for de seu gosto, e em tudo será sábio, santo e poderoso.
Adoremo-lo com ações de graça pela maravilhosa obra da Encarnação e dos outros favores para seu povo, inclusive sua reparação, caso cair. A este Suposto de duas naturezas, divina e humana, adoremo-lo, reverenciemo-lo e recebamo-lo por nosso chefe, confessando que é digno de toda a glória, louvor e magnificência, autor da graça e da glória, reconheçamos sua virtude e divindade.
A batalha angélica
107. Com estas armas pelejavam São Miguel e seus anjos, combatendo com fortes raios ao dragão e aos seus asseclas armados de blasfêmias. Defrontando o santo Príncipe, mas não lhe podendo resistir, enfurecia-se, e pelo tormento que sofria desejara fugir. A vontade divina, porém, ordenara que fosse não apenas castigado mas também vencido, e a seu pesar conhecesse a verdade e o poder de Deus.
Blasfemando bradava: - Deus é injusto por elevar a natureza humana acima da angélica. Eu sou o mais excelente e formoso anjo, e a mim se deve a exaltação. Hei de estabelecer meu trono acima das estrelas (Is 14, 13) e serei semelhante ao Altíssimo. Não me sujeitarei a ninguém de natureza inferior à minha, nem consentirei que alguém me preceda e seja maior que eu.
Faziam-lhe eco os apóstatas, seus sequazes, ao que lhes replicou São Miguel: - Quem há que se possa igualar e se comparar com o Senhor que habita os céus? Acaba, inimigo, com tuas formidáveis blasfêmias, e já que a iniqüidade se apoderou de ti, separa-te de nós, infeliz, e caminha com tua cega ignorância e maldade para a tenebrosa noite e caos das penas infernais. Quanto a nós, ó espíritos do Senhor, reverenciemos esta ditosa mulher que há de ministrar carne humana ao eterno Verbo, e reconheçamo-la por nossa Rainha e Senhora.
Lúcifer precipitado do céu
108. Nesta peleja, aquele grande sinal da Rainha servia para os bons anjos de escudo e arma ofensiva contra os maus. À sua vista os argumentos e contradições de Lúcifer perdiam a força e se aniquilavam, não podendo suportar os mistérios representados naquele sinal.
E assim, como pela virtude divina havia aparecido aquele sinal, quis também Sua Majestade fazer surgir o outro sinal do dragão vermelho. Nessa figura foi ignominiosamente expulso do céu, com espanto e terror de seus sequazes e admiração dos santos anjos por aquela nova demonstração do poder e justiça de Deus.
O mal não pode triunfar sobre o bem
109. Difícil é descrever com palavras o que se passou nesta memorável batalha, por ser enorme a diferença entre conceitos materiais e as operações de tais e tantos espíritos angélicos.
Os maus, entretanto, não triunfaram (Ap 12, 8) porque a injustiça, mentira, ignorância e malícia não podem prevalecer contra a equidade, verdade, luz e bondade, nem tais virtudes podem ser vencidas pelos vícios.
Por isto, diz o Apocalipse, daí em diante seu lugar não foi encontrado no céu. Com os pecados que cometeram, estes ingratos anjos tornaram-se indignos da eterna visão e companhia do Senhor, e sua lembrança apagou-se da sua mente divina onde, antes da queda, estavam gravados pelos dons de graça que lhes outorgara. Privados do direito que tinham aos lugares que lhes haviam sido preparados sob a condição de obedecerem, este direito transferiu-se aos homens e a estes foram reservados.
Tão apagados foram os vestígios dos anjos apóstatas, que jamais serão encontrados no céu!
Castigo dos anjos maus
110. Efoi lançado aquele grande dragão (Ap 12, 9) e antiga serpente que se chama diabo e satanás que engana a todo o orbe e foi precipitado à terra com seus anjos.
Transformado em dragão, foi Lúcifer precipitado do céu pelo santo príncipe Miguel, por aquela invencível palavra: - Quem como Deus? Tão poderosa que pôde derrubar com formidável ignomínia, às profundezas da terra, aquele soberbo gigante e todos os seus exércitos.
Ali. com sua infelicidade e castigo, começou a receber os novos nomes de dragão, diabo, e satanás. Privado da felicidade e honra que desmereceu, foi também despojado de seus honrosos títulos, adquirindo os que traduzem sua ignomínia. E a maldade que intimou a seus confederados para enganarem e perverterem os habitantes do mundo, manifesta sua iniqüidade.
Deste modo, aquele que presumia destruir os povos foi lançado aos infernos e às profundezas do lago, como diz Isaías, Capítulo 14 (v. 15). Seu cadáver foi entregue à podridão e aos vermes de sua má consciência. Em Lúcifer cumpriu-se tudo o que o Profeta escreve naquela passagem.
Glorificação dos anjos bons
111. Ficando o céu despojado os maus anjos, foi afastado o véu da Divindade para os bons e obedientes.
Triunfantes e gloriosos estes, castigados aqueles, prossegue o Evangelista dizendo que ouviu uma grande voz no céu que dizia: - Agora foi estabelecida a salvação e a força e o reino de nosso Deus, e o poder do seu Cristo: porque foi precipitado o acusador de nossos irmãos, que na presença de nosso Deus os acusava de dia e de noite (Ap 12, 10).
Esta voz ouvida pelo Evangelista foi a da pessoa do Verbo. Ouvida e entendida por todos os santos anjos, chegaram seus ecos até o inferno. Ali espavoriu e fez tremer os demônios, ainda que não compreenderam todos os mistérios que encerrava, mas somente aquilo que o Altíssimo lhes permitiu entender para sua pena e castigo.
Aquela voz foi proferida pelo Filho, em nome da humanidade que havia de assumir. Pediu ao Eterno Pai que fosse estabelecida a salvação, poder e reino de Deus e do Cristo, porquanto já havia sido expulso o acusador dos homens, irmãos do mesmo Cristo Senhor nosso.
Foi uma súplica ante o trono da Santíssima Trindade, para os mistérios da Encarnação e Redenção serem confirmados e realizados contra a inveja e raiva de Lúcifer que caíra do céu, enfurecido contra a natureza humana da qual o Verbo se vestiria. Por este motivo, com suma compaixão e amor chamou os homens de irmãos.
Diz que Lúcifer os acusava de dia e de noite porque, na presença do eterno Pai e de toda a Santíssima Trindade, os acusou no dia da graça que ainda gozava, desprezando-os com soberba.
Depois em a noite de suas trevas e de nossa queda, nos acusa muito mais, sem jamais cessar esta perseguição enquanto o mundo existir.
Denominou força, poder e reino às obras e mistérios da Encarnação e morte de Cristo, porque tudo foi realizado mediante essa morte. Por ela manifestou a sua força e poder contra Lúcifer.
A economia da salvação
112. Esta foi a primeira vez que o Verbo, em nome da humanidade, intercedeu pelos homens ante o trono da Divindade. A nosso modo de entender, depois de conferir esta petição com as pessoas da Santíssima Trindade, o eterno Pai manifestou aos santos anjos parte do decreto formulado no divino consistório sobre estes mistérios.
Disse-lhes: - Lúcifer levantou o estandarte da soberba e do pecado e com toda a iniqüidade e furor perseguirá ao gênero humano. Astutamente perverterá a muitos, manejando-os para destruí-los com a cegueira dos pecados e dos vícios. Nessa perigosa ignorância, em muitas épocas prevaricarão. Visto que a soberba, a mentira, qualquer pecado e vício distam infinitamente de nosso ser e vontade, façamos triunfar a virtude e santidade.
- Para esse fim, faça-se homem passível a Segunda Pessoa, acredite e ensine a humildade, obediência e demais virtudes, e opere a salvação dos homens.
Sendo verdadeiro Deus, humilhe-se e trone-se menor, seja homem justo, modelo e mestre de toda santidade, e morra pela salvação de seus irmãos.
- Somente a virtude que sempre triunfa dos vícios seja recebida em nosso tribunal. Elevemos os humildes, e humilhemos os soberbos (Mt 11, 28).
As tribulações e os padecimentos sejam por nós tidos como glória. Determinemos socorrer aos aflitos e sofredores.
Corrijamos c provemos nossos amigos e, por este meio, alcancem nossa graça e amizade com a qual, conforme suas possibilidades, pratiquem a virtude e operem a própria salvação.
- Sejam bem-aventurados os que choram (Mt 5, 3), felizes os pobres, e os que padecerem pela justiça e seu chefe Cristo. Sejam exaltados os pequenos, engrandecidos os mansos de coração. Sejam amados, como nossos filhos, os pacíficos e nossos prediletos os que perdoarem e sofrerem as injúrias amando seus inimigos. Para todos reservemos copiosos frutos de bênçãos, de graças e prêmios de imortal glória no céu.
- Nosso Unigênito praticará esta doutrina e os que O seguirem serão nossos escolhidos, favorecidos, consolados e recompensados. Suas boas obras serão concebidas em nosso pensamento, causa primária da virtude.
- Permitamos que os maus oprimam aos bons e contribuam para sua coroa, enquanto para si mesmos merecem castigo. O bom verá escândalos (Mt 18, 7), mas infeliz quem os der, e bem-aventurado quem sofrer por não os seguir. Os arrogantes e soberbos aflijam e insultem os humildes, os grandes e poderosos oprimam aos pequenos e fracos e estes lhes dêem bênção em lugar de maldições (ICor 4,12-13).
Enquanto forem viadores sejam reprovados pelos homens, para depois serem reunidos aos anjos nossos filhos, e gozarem dos tronos e prêmios que os infelizes condenados perderam. Sejam os obstinados e soberbos sentenciados à eterna morte, onde compreenderão seu estulto e insolente proceder.
O Redentor e os redimidos
113. - Para todos terem verdadeiro exemplar e superabundante graça, se dela quiserem aproveitar, desça nosso Filho passível. Redima os homens, a quem Lúcifer fará cair de seu feliz estado, levantando-os com seus infinitos merecimentos. Seja realizada agora a salvação em nossa vontade e determinação.
- O Redentor será salvador para merecer, e mestre para ensinar. Nascerá e viverá pobre, morrerá desprezado, condenado pelos homens à morte ignominiosa e afrontosa. Será julgado por pecador e réu, satisfará nossa justiça pela ofensa do pecado, e por seus méritos previstos usaremos de nossa misericórdia e piedade.
- Entendam todos que o humilde, o pacífico, o que praticar a virtude, sofrer e perdoar, este será imitador de nosso Cristo e será nosso filho. Quem quiser entrar em nosso reino deverá negar-se a si mesmo e levar sua cruz após seu chefe e Mestre (Mt 10, 22).
- Nosso reino será formado pelos perfeitos, que legitimamente houverem trabalhado e combatido até o fim. Estes terão parte no poder de nosso Cristo, agora estabelecido por ter sido rechaçado o acusador de seus irmãos (Ap 17,14). Em triunfo, lavará e purificará os eleitos no seu sangue. Dele é a exaltação e a glória, porque somente Ele será digno de abrir o livro da Lei da graça (Idem v. 9). Será caminho, luz, verdade (Jo 14, 6) e vida para que os homens venham a Mim. Sozinho abrirá as portas do céu, sendo mediador (lTm 2, 5) e advogado dos mortais que Nele terão pai e irmão (Jo 2, 1) para defendê-los do perseguidor e acusador. Quanto aos anjos, nossos filhos, que também operaram a salvação e virtude e defenderam o poder de meu Cristo, sejam coroados e honrados eternamente em nossa presença.
Ministério dos anjos
114. Esta voz que saiu do trono divino manifestou os mistérios escondidos (Mt 13, 35) desde a constituição do mundo e que seriam revelados pela doutrina e vida de Jesus Cristo. Saiu do trono, significando muito mais do que posso explicar.
Pela mesma voz foram ordenados aos santos anjos os ministérios que haviam de exercer: São Miguel e São Gabriel seriam embaixadores do Verbo Humanado e de Maria sua Mãe Santíssima, ministros para todos os mistérios da Encarnação e Redenção. Muitos outros anjos foram destinados para igual missão, como adiante direi . A outros o Todo-poderoso ordenou que acompanhassem e assistissem às almas, inspirando-lhes e ensinando-lhes a santidade, e virtudes contrárias aos vícios que Lúcifer se propusera induzi-las. Que as defendessem e guardassem levando as em suas mãos (SI 90, 12), para que aos justos não ofendessem as pedras das ciladas e enganos armados por seus inimigos.
Predestinação dos escolhidos
115. Outras coisas foram decretadas nesta ocasião em que, diz o Evangelista, foi estabelecido o poder, a salvação, a força e o reino de Cristo.
Todavia, o que misteriosamente se realizou foi a predestinação dos escolhidos, contados e gravados na mente divina, graças aos merecimentos previstos de Jesus Cristo nosso Senhor.
Oh! Mistério e segredo inescrutável passado no íntimo de Deus!
Oh! Feliz sorte para os escolhidos! Que momento importantíssimo! Que mistério tão digno da onipotência divina! Que triunfo do poder de Cristo! Infinitamente ditosos os membros que foram escolhidos para se unirem a tal Cabeça! Oh! grande Igreja, povo grave e congregação santa, digna de tal prelado e mestre!
Na consideração de tão alto mistério aniquila-se o pensamento humano, meu entendimento suspende-se e minha língua emudece.
A nova Lei da graça e a Igreja
16. Neste consistório das três divinas Pessoas, foi entregue ao Unigênito do Pai aquele misterioso livro de que fala o Apocalipse. Escrito, assinado e fechado com sete selos, como diz o Evangelista (Ap 5, 7) só o abriria quando assumisse carne humana. Então iria tirando os selos, por ordem, ao realizar todos os mistérios de sua vida, desde o nascimento até a morte.
O livro continha tudo o que a SS. Trindade decretou depois da queda dos anjos e se referia à encarnação do Verbo:
a Lei da graça, os dez Mandamentos, os sete Sacramentos, todos os artigos da fé e quanto neles se contém: a estrutura da Igreja militante, sendo conferido ao Verbo humanado, sumo sacerdote e Pontífice Santo (Hb 6, 20), autoridade para comunicar o devido poder e necessários dons, aos Apóstolos e demais sacerdotes e ministros desta Igreja.
Origem divina da autoridade
117. Este foi o misterioso princípio da Lei Evangélica. Naquele trono e consistório secretíssimo, instituiu-se e gravou-se na mente divina, que os inscritos no livro da vida seriam os que guardassem essa Lei. Daqui originou-se serem representantes ou vigários do Pai eterno, os Pontífices e prelados. Em Deus têm princípio os mansos, os pobres e humildes e todos os justos. Esta é sua nobilíssima ascendência, motivo pelo qual se diz que quem obedece aos superiores obedece a Deus (Lc 10, 16) e quem os despreza, a Deus despreza.
Tudo isto foi determinado na mente divina, sendo conferido a Cristo Senhor nosso o poder de, a seu tempo, abrir este livro que então se encontrava fechado e selado. À espera desse tempo, o Altíssimo outorgou seu testamento nas leis natural e escrita, através do testemunho de suas divinas palavras e de misteriosos fatos. Revelou também aos patriarcas e profetas parte de seus segredos.
Triunfo dos justos
118. Por estes testemunhos e pelo sangue do Cordeiro é que "os justos venceram (Ap 12, 11)". Se bem que o Sangue de Cristo, Redentor nosso, foi suficiente e superabundante para todos os mortais vencerem o dragão, seu acusador, os testemunhos e palavras infalíveis de seus profetas são também de grande virtude e força para a salvação eterna.
Não obstante, é livremente que os justos cooperam com a graça a fim de que a Paixão, Redenção e Escrituras lhes sejam eficazes. Alcançam seus frutos vencendo-se a si mesmos e ao demônio.
Não somente vencerão Satanás no que ordinariamente Deus manda e pede, mas com sua divina força e graça, chegarão até a dar a vida pelo Senhor e sua Lei (Ap 6, 9). Por este testemunho conquistarão a coroa e triunfo de Jesus Cristo, como fizeram os mártires na confissão e defesa da fé.
Alegria no céus
119. Por todos estes mistérios, acrescenta o texto: Alegrai-vos ó céus e os que nele habitais (Ap 12, 12).
Alegrai-vos porque sereis morada dos justos e do Justo dos justos, Jesus Cristo e de sua Mãe Santíssima.
Alegrai-vos ó céus, porque a nenhuma das criaturas materiais e inanimadas, a nenhuma coube maior sorte. Sereis a casa de Deus pelos séculos eternos, recebereis como vossa Rainha a criatura mais pura e santa que o poderoso braço do Altíssimo criou.
Por isto, alegrai-vos ó céus e os que neles habitais, anjos e justos. Sereis companheiros e ministros deste Filho do Pai eterno e de sua Mãe, membros deste corpo místico cuja cabeça é o Cristo.
Alegrai-vos ó santos anjos, porque, pondo a serviço desses membros vossa defesa e custódia, adquiris prêmios de gozo acidental. Alegre-se particularmente São Miguel, príncipe da milícia celestial. Por haver lutado pela glória do Altíssimo e seus mistérios veneráveis, será ministro da Encarnação do Verbo e testemunha singular dos seus frutos até o fim dos tempos.
Com ele alegrem-se os seus aliados, defensores do nome de Jesus Cristo e de sua Mãe. Seus ministérios não os privarão do gozo da glória essencial que já possuem. Por todos estes divinos mistérios, regozijem-se os céus.
MEDITAÇÃO PROFUNDA
AMOR DE JESUS PELO PAI.
Eu, portanto, esposa minha, vendo o Pai tão amoroso e liberal para comigo, e tão pronto a conceder-me tudo o que lhe pedia em prol de meus irmãos, desfiz-me em amor e gratidão para com Ele e quisera que todo o mundo o tivesse conhecido como tal, e por isso todos o amassem, louvassem, glorificassem e correspondessem a tanta bondade e a tanto amor. Oferecia, portanto, com muita freqüência, este desejo ao Pai e suplicava-lhe aceitasse meu anelo e a boa vontade para suprir a carência daqueles ingratos, descuidados de conhecê-lo, e amá-lo. Mostrava-me desejoso de sofrer todas as penas preparadas para o tempo da Paixão, todas conhecidas, urna por uma, e desejava que logo chegasse a ocasião assaz feliz de poder mostrar ao Pai o amor que lhe dedicava. Não existe criatura que tanto haja ansiado e anelado pelo prazer, quanto eu anelava e ansiava por sofrer, evidenciando diante do mundo inteiro o amor dedicado ao Pai, porque sempre desejei, desde a infância, fazer aquilo que era do seu agrado e gosto; e como quisesse minha morte e Paixão em resgate do gênero humano, eu aspirava a ela e a desejava desde o nascimento, em todo o tempo da vida, até que chegou a hora por mim tão esperada, por ser esta a vontade e o gosto do meu Pai. A mente humana não é capaz de entender como se comprazia o Pai neste meu desejo, e como lhe satisfazia. Sabei que, acerca de qualquer oferta e desejo expressos a este respeito, mostrava-se contente e satisfeito comigo, como se então já houvesse sofrido e tivesse sido morto na realização de sua vontade e da salvação do mundo. Pedia-lhe quisesse receber esse gosto e complacência em troca do que faziam aqueles ingratos que não se persuadem a sofrer coisa alguma por seu amor, recusando, o mais possível, sofrer, mesmo o que sabem ser do gosto e da vontade de seu Criador. Por todos estes procurava satisfazer ao Pai, aplacá-lo para com meus irmãos ingratos, que costumam viver no mundo com tantas delícias, sem agradecerem ao Criador.
Tomo 1 Vida Intima de Ns Senhor Jesus Cristo-49
Tomo 1 Vida Intima de Ns Senhor Jesus Cristo-50
OFERTA DOLOROSA
Depois de ter-me a querida Mãe tido algum tempo nos braços, de termos fruído dos afetos mútuos, entre nós dois, e tendo eu ainda tido alguma complacência nos afetos inocentes e amorosos, oferecendo-os ao Pai, vi que Ele esperava de mim uma oferta de dor. Não deixei de atendê-lo logo, mostrando-me sempre pronto a fazer qualquer uma de suas vontades. E voltando o pensamento à minha dolorosa Paixão, fixei o olhar da mente na minha desapiedada captura, e nos danos a minha pessoa da parte dos servos cruéis e desumanos. Turbou-se-me de repente o rosto com esta lembrança e cai em copioso pranto, considerando maltratarem-me tanto aqueles por cuja salvação viera ao mundo. Pensava ainda na dignidade de minha pessoa, pois sendo o Verbo, era verdadeiro Filho de Deus, até Deus mesmo. Quantos sentimentos, esposa caríssima, quanta dor por causa de tal excesso! Oh, como me afligi! Vendo-me desta maneira, a Mãe dileta foi traspassada por crudelíssimo pesar. Manifestei-lhe, no entanto, com palavras internas a causa de meu pranto e perturbação. Falavam-se os nossos corações e tudo era manifesto ao seu. Dizia-lhe; "Mãe, virá o dia em que me vereis, senão com os olhos corporais, com os do espírito, nos braços dos esbirros, maltratado, ultrajado, batido sem piedade e compaixão. Segurai-me, pois, agora entre vossos amorosos braços, porque virá o tempo em que estarei nos braços de carrascos ferozes para ser atormentado". A estas palavras, traspassada de dor, a Mãe dileta desfez-se em amargo pranto. e muito mais apertava-me ao peito e amorosamente me acariciava. Ofereci, esposa caríssima, ao Pai as lágrimas e as dores que experimentava, e rogava-lhe que se dignasse recebê-las em paga dos pecados de meus irmãos, especialmente por aqueles que tão barbaramente tratam os inocentes, e aos que não têm culpa alguma, sujeitam-nos a pancadas e prisões; como sabia constituir grande ofensa a meu Pai semelhante crueldade, tanto mais chorava e afligia-me. Oferecia-lhe minhas dores em paga desses pecados. O Pai declarava estar satisfeito por minhas lágrimas de tanta dor, e achar-se aplacada a justiça divina, pronta a perdoar aos que incorrem em tais excessos e crueldades. Além disso, pedia-lhe se dignasse dar virtude e graça para meus irmãos oferecerem de bom grado os maus tratos e barbáries que sofrem quando presos pelos inimigos da santa fé, e que, por serem muito atormentados, estão em perigo de abandonar a fé e negar a adoração ao verdadeiro Deus. Ao Pai muito isto agradou e prometeu-me para todos graça e assistência particulares, e que jamais seriam abandonados por ele, mas sempre socorridos com ajudas especiais; e só pereceriam e renegariam a fé os que tivessem querido, descurando os auxílios divinos e a graça celeste, que deveras a ninguém jamais falta, pelo contrário lhes é dispensada com abundância pela divina bondade.
CONSOLAÇÃO AO TOMAR O LEITE
Tendo estado assim por algum tempo pesaroso, tanto eu como a dileta Mãe, e vendo o Pai plenamente satisfeito e contente, procurei alguma restauração para a manutenção de minha humanidade. Pedi-o à querida Mãe, fazendo-lhe sentir a ela mesma tal necessidade. Tomou logo a querida Mãe o primeiro impulso e deu-me de seu puríssimo leite. Ao mesmo tempo que tomava o leite, senti a restauração em minha humanidade; ela também experimentava a mesma consolação, de modo que se dissipavam pouco a pouco as angústias e as dores de que estava repleta a sua alma; igualmente eu ia me consolando e agradecia ao Pai pelo consolo que nos transmitiu. Agradecia-lhe ainda por parte de meus irmãos, especialmente dos que depois de serem consolados por Ele não se recordam de prestar-lhe um ato de ação de graças, demonstrando-se assim ingratos para com os benefícios divinos e fazendo a bondade divina se afastar, e não se mostrar mais liberal e cortês para com eles. O Pai ficou satisfeito com tal oferta e agradecimento, e revelou-se um tanto aplacado para com os ingratos e prometeu-me que em virtude de minha oferta e orações, não deixaria de beneficiar meus irmãos, por mais que se lhe demonstrassem ingratos, pois eu já havia satisfeito em seu lugar, mas os que se mostram gratos tornam-se capazes de receber graças maiores.
O SONO DE JESUS
Um tanto restaurado quanto a minha humanidade e prestadas ao Pai as devidas graças por mim e por meus irmãos, como disse acima, foi surpreendida a minha humanidade por sono pesado e fiz a querida Mãe entender que me deitasse na manjedoura. A este aviso ficou de novo aflita a Mãe por ter de privar-se da consolação que experimentava em ter-me nos castos braços, e pelo sofrimento que eu havia de passar nesse duro leito. Logo, porém, e com toda a resignação colocou-me na manjedoura para repousar e, prostrada com seu esposo José, ambos adoraram-me e adoraram os decretos divinos. Animada, pois, a querida Mãe e confortada com a virtude divina, pôs-se a cantar um cântico de louvor ao Pai, que servia para fazer-me repousar suavemente. Aquela voz tão suave descansava a minha humanidade e a minha alma se regozijava. Oferecia ao Pai o prazer que me trazia aquela alma tão agradável ao Pai e a mim, para a qual olhávamos com amor incomparável, e que era cada vez mais repleta de graça. Oferecia estes louvores ao Pai e pedia-lhe se dignasse recebê-los por parte de todos os meus irmãos e principalmente daqueles que não se resolvem a louvar o Criador, mas estão inteiramente atentos a louvar e dar satisfação às criaturas. O Pai apreciava muito tais louvores, e sabendo disso, a querida Mãe freqüentemente o fazia. Estava, pois, assim a descansar, e a minha Mãe com José genuflexos a adorar-me. Quando a Mãe terminou os cânticos, roguei a meu Pai se dignasse elevar mais o seu espírito e fazer-lhe conhecer o que se passava entre nós dois, e como nos comprazíamos nela. Logo, o Pai o fez e elevada em profundo êxtase, participou de nossa complacência.
NO COLO DE MARIA.
Tendo voltado a si a querida Mãe e dado graças ao Pai e a mim, pelo favor recebido, esperava a olhar-me na manjedoura, e de novo afligia-se ao ver-me naquele sofrimento, de modo que saindo do sono, fitei-a e convidei-a a tomar-me novamente no colo, a fim de receber dela algum conforto para meus membros enregelados. Sofria em tal posição grande frio. E sabia-o a querida Mãe, e sofria mais por não dar-me algum alívio, porque eu assim queria, ávido como estava de sofrer; meu Coração alegrava-se nas próprias penas, porque era a vontade de meu Pai, e satisfazia deste modo à justiça divina pelos pecados do gênero humano. Oferecia o sofrimento ao Pai, ao qual era tão agradável. E, na realidade, esposa caríssima, causava compaixão ver-me naquela tenra idade tão aflito e dolorido, atormentado pelo rigor da estação, da rigidez da atmosfera, até ficar inteiramente gélido. Podia impedir mas não o quis, nem valer-me de minha divindade para subtrai-lo. Oferecia-o ao Pai em desconto por meus irmãos, aqueles que se serviam até da mínima autoridade que detêm, pra sofrer qualquer coisa, mesmo leve, e muitas vezes ainda da observância da Lei divina e dos mandamentos da Igreja, como se a autoridade que detêm lhes tivesse sido dispensada por Deus para viverem a seu modo e em maiores delícias, quando, na verdade, lhes foi dada para com exatidão e rigor observarem os preceitos divinos e sujeitarem-se ao sofrimento, dando bom exemplo aos inferiores. Aceitou o Pai com grande complacência tais ofertas, e prometeu-me que não deixaria de insinuar aos corações desses tais, por santas inspirações, como deviam se portar e como estariam pela própria autoridade mais obrigados a observar a Lei divina e a imitar-me perfeitamente; assim o vai praticando. Mas muito poucos são os que utilizam as inspirações divinas, porque a maioria quer viver a seu modo. Tudo me era conhecido, esposa caríssima, e sentia com isto dor muito grande. Por esta e outras desordens de meus irmãos, vivia muito dolorido e aflito, tanto mais que, apesar de tantos sofrimentos, não conseguia induzi-los a andarem pela verdadeira estrada da virtude e perfeição, que eu viera lhes ensinar. Embora trilhada por mim, verdadeiro Filho de Deus, eles, os servos, recusam-se a caminhar por ela.
A MÃE DA VIDA — DO AMOR — DAS GRAÇAS.
Depois daquele conforto no colo da querida Mãe e um pouco aquecido, ofereci o pequeno alívio e consolo a meu Pai, e pedi-lhe se dignasse, em virtude do consolo que recebera em minha humanidade, aquecer no divino amor os corações gélidos de todos os meus irmãos, e que o amor divino se inflamasse em seus corações, por intercessão de Maria; como por seu intermédio vinha-me o calor natural, assim por meio dela se acendesse no coração de cada um o calor celestial. O Pai atendeu-me e prometeu-me que qualquer um que dele se aproximasse por meio de verdadeira devoção, ficaria inflamado de amor divino. Como tive no decurso da vida e especialmente na infância muitas consolações e muitos confortos em minha humanidade, por meio da dileta Mãe, assim os meus irmãos recebessem muitas graças do Pai por seu intermédio. E como, através do puríssimo leite, ela me conservou a vida temporal assim conservará a vida espiritual de meus irmãos, se eles se aproximarem e tomarem o leite puríssimo de sua doutrina e exemplo, imitando suas raras virtudes.
EXORTAÇÃO A SUA ESPOSA.
Imitai-a vós, esposa caríssima, e avizinhai-vos cada vez mais dela, pondo em prática quanto vos mostrei, do modo como nesta obra e em outras vos fiz escrever e vo-lo insinuo, a fim de serdes verdadeira imitadora de minhas virtudes e das virtudes de minha querida Mãe. E conhecei o favor particular que vos concedo só por bondade. Certificai-vos, ó filha, de que havereis de prestar-me estreitas contas de todas as graças e favores que vos comuniquei, se delas não tirardes o proveito que pretendo obter de vós. Eis o lembrete que vos deixo no fim deste capítulo.
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